quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Para reflexão


Estou postando aqui hoje um texto da Berenice Bento para reflexão!
Boa noite à tod@s.

"A mulher não é "como se fosse a cerveja": é a cerveja. Está ali para ser consumida silenciosamente, passivamente, sem esboçar reação, pelo homem. Tão dispensável que pode, inclusive, ser substituída por uma boneca de plástico, para o júbilo de jovens rapazes que estão ansiosos pela aventura do verão. Se já criminalizamos alguns discursos porque são violentos, não é possível continuarmos passivamente consumindo discursos misóginos a cada dia, como se o mundo da televisão não estivesse ligado ao mundo real, como se as violências ali transmitidas tivessem fim no click do controle remoto. Embora a matéria-prima para elaboração desses comerciais esteja nas próprias relações sociais, nas performances ali apresentadas há uma potencialização da violência. Não há uma disjunção radical entre violência simbólica e física. Há processos de retroalimentação. A força da lei já determinou que os insultos racistas conferem ao emissor a qualidade de racista. Também caminhamos para a criminalização da homofobia em suas múltiplas manifestações, inclusive dos insultos. Por que, então, devemos continuar repetidas vezes ao longo do dia a escutar "piadas" misóginas, alimentando a crença na superioridade masculina sem uma punição aos agressores? Sabemos da força da palavra para produzir o que nomeia, sabemos que uma piada homofóbica, racista, está amarrada a um conjunto de permissões sociais e culturais que autoriza o piadista a transformar o outro em motivo de seu riso. Agora, é incalculável o estrago que imagens reiteradas de mulheres quase desnudas, que não falam uma frase inteligente, que estão ali para servir a sede masculina, invisibilizadas em duas tragadas, provocam na luta pelo fim da violência contra as mulheres. Da mesma forma que o "piadista" racista e/ou homofóbico acha que tudo não passa de "brincadeira", o marqueteiro misógino supõe que sua "obra-prima" apenas retrata uma verdade aceita por todos, inclusive por mulheres: elas existem para servir aos homens. E como é uma verdade aceita por todos, por que não brincar com ela? Ou seja, nessa lógica, ele não estaria fazendo nada mais do que reafirmar algo posto. Será? Não é possível que defendam aquela sucessão de imagens violentas como "brincadeiras". Essa ingenuidade não cabe a alguém que sabe a força da imagem para criar desejos. O que pensam os formuladores dos comerciais? Que tipo de mulheres habita seus imaginários? Por que há essa obsessão pelos corpos femininos? Será que eles ainda pensam que as mulheres não consomem cerveja? Não se trata de negar a mulher-consumível, coisificada, pela mulher consumidora, mas de apontar os limites de uma estrutura de comercial que peca inclusive em termos mercadológicos. Tal qual o assassino que matou sua esposa acreditando que sua masculinidade está ligada necessariamente à subordinação feminina, a cada gole de mulher, o homem sente-se, como em um ritual, mais homem. Conforme ele a engole, ela desaparece de cena para surgir a imagem de um homem satisfeito, feliz; afinal, matou sua sede. É um massacre simbólico ao feminino. É uma violência que alimenta e se alimenta da violência presente no cotidiano contra as mulheres".

E-mail? corposemrevolta@gmail.com